12 mar 2015

Autobiografia autorizada e incompleta - L. Moncada

Já fui Alice, a das maravilhas,
com coelho, rainha e quetais.  
Única filha e neta de pais e avós.
A que se chateava na escolinha
onde só havia crianças brincando...
Eu queria mais. Voar, inventar o mundo,
ler, escrever, aos três anos apaixonada
pelo cabelo de anjo de um literato famoso,
amigo e bem mais velho que meu pai... 

Já fui Andrômaca a do Heitor, Diana
a caçadora, Libel a sapateirinha,
a Marina apaixonada pelo seu playboy,
a Donzela filha do pai fera, a estrangeira
- e com sotaque - do Show de jornal,
a Garota do tempo, a do Lance maior
rodeada de tão boa companhia,
a velha Maria beata nordestina aos 20,
Maria Josefa a mãe de Bernarda aos 25,
Maria Rosa irmã de outra Maria, a Bueno,
Alzira a que enterramos em Portugal
com a pompa  e circunstância merecidas. 
Amanda, Alaíde, a esposa, a puta, a louca,
a boa, a vingança, a morte...
Fui chilena, uruguaia, brasileira, húngara
francesa, italiana e até norte-americana,
embora meu norte fosse sempre o sul.

 Já fui mulher de tantos homens!
Do Nelson, do Bivar, do Prata, do Díaz,
de alguns gregos - bem clássicos eles -
do Molière, Safiotti, do Millôr, Sarlòs,
do Lorca, do lírico Williams, do Ionesco
e seu puro senso de humor, negro.
Da poesia sempre.
E de algumas mulheres também.

Assim, revendo, diria que fui infiel.
Promíscua, sem preconceitos,
não disse não a ninguém, a nada. Ou quase.
Mas quando fui entreguei-me inteira,
um tantinho masoquista talvez,
mudei tantas vezes nestes tantos anos
que por momentos o estranhamento
foi a minha pele, minha alma, meu quem é?

Espelho, espelho meu, cadê aquele eu,
meu velho, imperfeito e confortável conhecido?
Mas o espelho sorria e mandava me virar:
veja seus muitos eus, você não queria voar?
Eles voam por você, espalhados e espalhando
dor, prazer, sonhos crescidos, paixão desbordada,
atemporal, ontem, hoje, amanhã, e depois e depois...
E o pior - ou o melhor – é que tinha razão.
Fragmentada, invadida, insegura, na farsa, no riso,
no drama, numa esquina da vida, era eu e meu voar
e se quer saber, eu fui feliz.

                                                   E sabia.


2 comentarios:

Voces del cerro aislado dijo...

hermosa biografía que señala que has sido feliz... y seguramente lo sigues siendo

Lota dijo...

He sido feliz sí, y en el fondo, a pesar de los cambios, sigo siéndolo!
Gracias Sergio!