Já fui Alice, a das maravilhas,
com coelho, rainha e quetais.
Única filha e neta de pais e avós.
A que se chateava na escolinha
onde só havia crianças brincando...
Eu queria mais. Voar, inventar o mundo,
ler, escrever, aos três anos apaixonada
pelo cabelo de anjo de um literato famoso,
amigo e bem mais velho que meu pai...
Já fui Andrômaca a do Heitor, Diana
a caçadora, Libel a sapateirinha,
a Marina apaixonada pelo seu playboy,
a Donzela filha do pai
fera, a estrangeira
- e com sotaque - do Show
de jornal,
a Garota do tempo, a
do Lance maior
rodeada de tão boa companhia,
a velha Maria beata
nordestina aos 20,
Maria Josefa a mãe de
Bernarda aos 25,
Maria Rosa irmã de
outra Maria, a Bueno,
Alzira a que enterramos
em Portugal
com a pompa e circunstância merecidas.
Amanda, Alaíde, a
esposa, a puta, a louca,
a boa, a vingança, a
morte...
Fui chilena, uruguaia,
brasileira, húngara
francesa, italiana e até
norte-americana,
embora meu norte fosse
sempre o sul.
Do Nelson, do Bivar, do
Prata, do Díaz,
de alguns gregos - bem
clássicos eles -
do Molière, Safiotti, do
Millôr, Sarlòs,
do Lorca, do lírico
Williams, do Ionesco
e seu puro senso de
humor, negro.
Da poesia sempre.
E de algumas mulheres também.
Assim, revendo, diria que
fui infiel.
Promíscua, sem
preconceitos,
não disse não a
ninguém, a nada. Ou quase.
Mas quando fui entreguei-me
inteira,
um tantinho masoquista
talvez,
mudei tantas vezes
nestes tantos anos
que por momentos o
estranhamento
foi a minha pele,
minha alma, meu quem é?
Espelho, espelho meu,
cadê aquele eu,
meu velho, imperfeito e
confortável conhecido?
Mas o espelho sorria e
mandava me virar:
veja seus muitos eus,
você não queria voar?
Eles voam por você,
espalhados e espalhando
dor, prazer, sonhos
crescidos, paixão desbordada,
atemporal, ontem, hoje,
amanhã, e depois e depois...
E o pior - ou o melhor
– é que tinha razão.
Fragmentada, invadida,
insegura, na farsa, no riso,
no drama, numa esquina
da vida, era eu e meu voar
e se quer saber, eu
fui feliz.
E sabia.
2 comentarios:
hermosa biografía que señala que has sido feliz... y seguramente lo sigues siendo
He sido feliz sí, y en el fondo, a pesar de los cambios, sigo siéndolo!
Gracias Sergio!
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